Evoluo como fato e teoria

por Stephen Jay Gould

Evolution as fact and theory, Discover vol. 2 (maio 1981): 34-37.


            Kirtley Mather, que faleceu no ano passado com noventa anos de idade, era um pilar da cincia e da religio crist nos E.U.A. e um dos meus amigos mais queridos. A diferena de meio sculo entre nossas idades desapareceu diante de nossos interesses em comum. O mais curioso dos interesses que compartilhamos foi uma batalha travada por cada um de ns quando tnhamos mesma idade. Kirtley tinha ido para o Tennessee com Clarence Darrow para depor a favor da evoluo no famoso julgamento de Scopes de 1925[1]. Quando penso que estamos envolvidos novamente na mesma luta por um dos conceitos mais bem documentados, mais atraentes e mais emocionantes de toda a Cincia, eu no sei se devo rir ou chorar.

            De acordo com os princpios idealizados do discurso cientfico, o ressurgimento de questes latentes deve refletir dados novos que do vida nova s noes abandonadas. Aqueles que esto de fora do debate atual, portanto, podem ser desculpados por suspeitar que os criacionistas esto de posse de algo novo, ou que os evolucionistas tm causado srios problemas internos. Mas nada mudou, os criacionistas no apresentaram um fato novo sequer, nem qualquer argumento novo. Darrow e Bryan eram pelo menos mais divertidos do que ns, os mais modestos antagonistas de hoje. A ascenso do criacionismo tem motivao poltica, pura e simples, mas representa um problema (e de maneira alguma o maior deles) causado pelo ressurgimento evanglico. Argumentos que pareciam estranhos apenas uma dcada atrs voltaram ordem do dia.

            O ataque bsico dos criacionistas modernos se encaixam em dois aspectos gerais antes que cheguemos aos detalhes factuais de seu ataque evoluo. Primeiro, eles elaboram em cima de um mal-entendido vernacular da palavra "teoria" para transmitir a falsa impresso de que os evolucionistas esto encobrindo o cerne apodrecido de nosso edifcio. Segundo, eles usam indevidamente uma viso popular da filosofia da cincia para argumentar que eles esto se comportando cientificamente, ao atacar a evoluo. No entanto, a mesma filosofia demonstra que sua prpria crena no cincia, e que "criacionismo cientfico" uma frase sem sentido e auto-contraditrio, um exemplo do que Orwell chamou de "novilngua".

            No vernculo americano, "teoria" frequentemente significa "fato imperfeito", parte de uma hierarquia de confiabilidade em ordem decrescente de fato com teoria, hiptese e suposio. Assim, os criacionistas podem argumentar: a evoluo "apenas" uma teoria e da debatem sobre aspectos que solapariam a teoria. Se a evoluo algo menos que um fato, os cientistas no podem nem mesmo conjecturar sobre a teoria, ento, que confiana podemos ter nela? De fato, o presidente Reagan ecoou este argumento diante de um grupo evanglico em Dallas quando ele disse (o que eu sinceramente espero que seja retrica de campanha): "Bem, uma teoria, uma teoria cientfica apenas, e que tem sido desafiada ultimamente no mbito da Cincia, quer dizer, eu no acredito mais na comunidade cientfica como sendo infalvel como pensava antes. "

            Bem, a evoluo uma teoria. E tambm um fato. E fatos e teorias so coisas diferentes, no so graus de uma hierarquia de certeza crescente. Fatos so dados do mundo. Teorias so estruturas de idias que explicam e interpretam os fatos. Fatos no desaparecem quando os cientistas debatem teorias rivais para explic-los. A teoria de Einstein substituiu a teoria da gravitao de Newton, mas as mas no passaram a suspender-se no ar, enquanto se aguardou o resultado. E os seres humanos evoluram de ancestrais simiescos, seja atravs do mecanismo proposto por Darwin ou seja por algum outro mecanismo, ainda a ser descoberto.

            Alm disso, "fato" no significa "certeza absoluta". As provas finais de lgica e da matemtica fluem dedutivamente de premissas adotadas e atingem a nica certeza, porque elas no so sobre o mundo emprico. Evolucionistas no clamam por uma verdade perptua, embora os criacionistas frequentemente alegam que a possuem (e, em seguida, atacam-nos com um estilo de argumento que eles mesmos empregam). Em cincia, "fato" s pode significar "confirmado a tal ponto que seria sem sentido neg-lo". Eu posso supor que as mas comecem a deixar de cair algum dia, mas tal possibilidade no merece tempo igual nas aulas de fsica.

            Os evolucionistas foram claros sobre a distino entre fato e teoria desde o incio, mesmo porque ns sempre reconhecemos como estando longe de compreender completamente os mecanismos (teoria) pelos quais a evoluo (fato) ocorreu. Darwin continuamente enfatizou a diferena entre suas duas realizaes: o estabelecimento do fato da evoluo e a proposio da teoria de seleo natural para explicar o mecanismo da evoluo. Ele escreveu em The Descent of Man: "Eu tinha dois objetivos distintos em mente, em primeiro lugar, mostrar que as espcies no haviam sido criadas separadamente, e em segundo lugar, que a seleo natural havia sido o principal agente da mudana. Da se eu tiver.... cometido um erro de... ter exagerado [na seleo natural]... eu pelo menos, espero, fiz um bom servio em ajudar a derrubar o dogma das criaes separadas ".

            Assim, Darwin reconheceu o carter provisrio da seleo natural ao afirmar o fato da evoluo. O debate terico frutfero que Darwin iniciou nunca cessou. A partir de 1940 at os anos 1960, a teoria de Darwin da seleo natural alcanou uma hegemonia temporria que ela nunca desfrutou durante sua vida. Mas um renovado debate caracterizou nossa dcada e, embora nenhum bilogo questiona a importncia da seleo natural, muitos duvidam de sua ubiquidade. Em particular, muitos evolucionistas argumentam que quantidades substanciais de mudana gentica podem no estar sujeitas seleo natural e que  podem se espalhar nas populaes de forma aleatria. Outros evolucionistas desafiam a ligao da seleo natural com a mudana gradual, imperceptvel atravs de todos os graus intermedirios postulados por Darwin, argumentando que a maioria dos eventos evolutivos pode ocorrer muito mais rapidamente do que Darwin havia previsto.

            Os cientistas consideram os debates sobre questes fundamentais da teoria como um sinal de sade intelectual e uma fonte de motivao. A cincia - e como mais posso dizer? - Mais divertida quando se joga com idias interessantes, examina suas implicaes, e reconhece que a informao antiga pode ser explicada de uma maneira surpreendentemente nova. A teoria da evoluo agora desfruta deste vigor incomum. No entanto, em meio a todo esse tumulto, nenhum bilogo duvidou do fato de que a evoluo ocorreu, debatemos atualmente como isso aconteceu. Estamos todos tentando explicar a mesma coisa: a rvore da descendncia evolutiva entre todos os organismos pelos laos de genealogia. Os criacionistas pervertem e caricaturam este debate, convenientemente negligenciando a convico comum subjacente e falsamente sugerindo que os evolucionistas agora colocam em dvida o fenmeno que estamos lutando para entender.

            Em segundo lugar, os criacionistas afirmam que "o dogma das criaes separadas", como Darwin caracterizou um sculo atrs, uma teoria cientfica que merece tempo igual com a evoluo nos currculos do ensino mdio de Biologia. Mas um ponto de vista popular entre os filsofos da cincia desmente este argumento criacionista. O filsofo Karl Popper defendeu h dcadas que o principal critrio da cincia a falseabilidade de suas teorias. Ns nunca podemos provar absolutamente, mas podemos falsificar. Em princpio, um conjunto de idias que no podem ser falsificadas no cincia.

            Todo programa criacionista inclui um pouco mais do que uma tentativa retrica de falsificar a evoluo, apresentando supostas contradies entre seus defensores. Seu tipo de criacionismo, alegam eles, "cientfico", porque segue o modelo popperiano na tentativa de demolir a evoluo. No entanto, o argumento de Popper deve ser aplicado em ambas as direes. No se pode tornar-se um cientista pelo simples ato de tentar falsificar um sistema rival e verdadeiramente cientfico; necessrio que se apresente um sistema alternativo que tambm preenche o critrio de Popper - que tambm deve ser falsevel, em princpio.

            "Criacionismo cientfico" uma frase auto-contraditria, nonsense precisamente porque no pode ser falsificada. Eu posso imaginar observaes e experimentos que podem  refutar qualquer teoria evolucionista, mas eu no consigo imaginar que dados potenciais poderiam levar os criacionistas a abandonar suas crenas. Sistemas imbatveis so dogmas, no cincia. Para que eu no parea duro e retrico, cito um dos mais importantes intelectuais do criacionismo, Duane Gish, Ph.D. em seu livro recente (1978), Evolution? The Fossils Say No!: "Por criao entendemos o ato de tornar existentes, por um Criador sobrenatural, os tipos bsicos de plantas e animais pelo processo sbito, ou fiat, da criao. Ns no sabemos como o Criador criou, que processos foram usados, pois Ele usou processos que no esto agora operando em qualquer lugar do universo natural [grifo Gish]. por isso que nos referimos criao como criao especial. No podemos descobrir por nenhum tipo de investigao cientfica quais foram os processos criativos utilizados pelo Criador". Ento diga-me, Dr. Gish, luz de sua ltima frase, qual ento o criacionismo cientfico?

            Sabemos que a evoluo ocorreu por trs tipos de argumentos gerais. Primeiro, possumos evidncias diretas abundantes de observao da evoluo em ao, tanto em campo como em laboratrio. Esta evidncia varia desde inmeras experincias sobre mudanas em quase tudo que ocorreram em moscas-das-frutas submetidas seleo artificial em laboratrio at as famosas populaes de mariposas britnicas que tornaram-se-se negras quando a fuligem industrial escureceu as rvores sobre as quais elas repousam. (Elas conseguem proteo contra pssaros predadores perspicazes, misturando-se ao fundo) Os criacionistas no negam essas observaes; como poderiam? Os criacionistas restringiram seu ato. Eles agora argumentam que Deus somente criou os "tipos bsicos", e permitiu a evoluo limitada dentro deles. Poodles-toy, e os grandes dinamarqueses vm do tipo "co" e mariposas podem mudar de cor, mas a natureza no pode converter um co em um gato ou um macaco em um homem.

            O segundo e terceiro argumentos para o caso da evoluo de grandes mudanas no envolvem a observao direta da evoluo em ao. Eles se apoiam sobre inferncia, mas no so menos seguros porisso. As maiores mudanas evolutivas requerem muito tempo para observao direta na escala da histria humana registrada. Todas as demais cincias histricas usam inferncia, e a evoluo no diferente de geologia, cosmologia, ou a histria humana com relao a isso. Em princpio, no podemos observar processos que operaram no passado. Devemos inferi-los a partir dos resultados que ainda possumos: organismos vivos e fsseis para a evoluo, documentos e artefatos para a histria humana, estratos e topografia para a geologia.

            O segundo argumento, de que as imperfeies da natureza revelam a evoluo, atinge muitas pessoas de modo irnico, pois elas sentem que a evoluo deveria ser mais elegantemente exibida na adaptao quase perfeita expressa por alguns organismos, a curvatura da asa de uma gaivota, ou borboletas que no podem ser vistas em ninhos no solo, porque elas imitam folhas com grande preciso. Mas a perfeio tanto poderia ser imposta por um sbio criador ou evoludo pela seleo natural. A perfeio atual cobre as pegadas da histria passada. E a histria passada - a evidncia de descendncia - a marca da evoluo.

            A evoluo fica exposta nas imperfeies que registram uma histria de descendncia. Por que um rato corre, um morcego voa, e um golfinho nada, e eu digito este ensaio com as estruturas construdas a partir dos mesmos ossos, a menos que todos ns os tenhamos herdados de um ancestral em comum? Um engenheiro, comeando do zero, poderia projetar membros melhores em cada um dos casos. Por que todos os grandes mamferos nativos da Austrlia so marsupiais, seno que eles descendem de um ancestral comum isolado neste continente-ilha? Marsupiais no so "melhores", ou ideais para a Austrlia, muitos tm sido dizimadas por mamferos placentrios importados pelo homem de outros continentes. Esse princpio da imperfeio se estende a todas as cincias histricas. Quando reconhecemos a etimologia dos meses de setembro, outubro, novembro e dezembro (stimo, oitavo, nono e dcimo), sabemos que o ano foi uma vez iniciado em maro, ou que dois meses adicionais foram adicionados a um calendrio original de dez meses.

            O terceiro argumento mais direto: as transies so frequentemente encontradas no registro fssil. Transies preservadas no so comuns, e no devem mesmo s-lo, de acordo com nossa compreenso da evoluo (ver prxima seo), mas elas no so totalmente ausentes, como os criacionistas frequentemente afirmam. A mandbula dos rpteis contm vrios ossos, enquanto os mamferos tm apenas um. Os maxilares dos no-mamferos so reduzidos, passo a passo, em antepassados de mamferos at que se tornem um ossculo minsculo localizado na parte posterior da mandbula. O "martelo" e a "bigorna", ossos do ouvido dos mamferos, so descendentes desses ossculos. Como poderia tal transio ter sido realizada, os criacionistas perguntam. Certamente um osso fica totalmente na mandbula ou no ouvido. No entanto, os paleontlogos descobriram duas linhagens de transio de terapsdeos (os chamados rpteis semelhantes a mamferos), com uma articulao de mandbula dupla, uma delas composta pelo antigo quadrado e os ossos articulares (que logo se tornaram o martelo e a bigorna), a outra formada pelo osso esquamosal e ossos dentrios (como nos mamferos modernos). Para essa questo, que forma melhor de transio poderamos esperar de encontrar do que o mais velho humano, o Australopithecus afarensis, com seu palato simiesco, sua postura humana ereta e uma capacidade craniana maior do que qualquer de macaco do mesmo tamanho do corpo, com um total de 1.000 centmetros cbicos menor que o nosso? Se Deus fez cada uma das espcies da meia dzia de humanos descobertos em rochas antigas, por que ele as criou em uma sequncia ininterrupta temporal com cada vez mais recursos modernos, tais como a maior capacidade craniana, face e dentes reduzidos, maior tamanho de corpo? Ser que ele criou para imitar evoluo e, assim, testar a nossa f?

            Diante desses fatos da evoluo e da falncia filosfica de sua prpria posio, os criacionistas contam com distores e insinuaes para escorar sua reivindicao retrica. Se isso soa agudo e amargo, porque de fato eu me tornei um dos principais alvos dessas prticas.

            Incluo-me entre os evolucionistas que defendem uma mudana aos saltos, ou episdica, ao invs de um ritmo gradual. Em 1972 meu colega Niles Eldredge e eu desenvolvemos a teoria do equilbrio pontuado. Argumentamos que dois fatos marcantes do registro fssil, a origem geologicamente "sbita" de novas espcies e a ausncia de mudanas posteriores (estase), refletem as previses da teoria da evoluo, e no as imperfeies do registro fssil. Na maioria das teorias, pequenas populaes isoladas so a fonte de novas espcies e o processo de especiao leva milhares ou dezenas de milhares de anos. Esta quantidade de tempo, tanto tempo, quando medido contra nossas vidas, um microssegundo geolgico. Ela representa muito menos do que 1 por cento do tempo mdio de vida de uma espcie de invertebrados fsseis, com mais de dez milhes de anos. Espcies de grande porte, amplamente distribudas, por outro lado, no se espera que mudem muito. Acreditamos que a inrcia de grandes populaes explica a estase da maioria das espcies fsseis ao longo de milhes de anos.

            Propusemos a teoria do equilbrio pontuado principalmente para fornecer uma explicao diferente para as tendncias difundidas no registro fssil. Tendncias, argumentamos, no pode ser atribudas transformao gradual dentro das linhagens, mas devem surgir a partir do sucesso diferente de certos tipos de espcies. A tendncia, argumentamos, mais como subir um lance de escadas (pontuado e estase) do que descer um plano inclinado.

            Desde que propusemos o equilbrio pontuado para explicar as tendncias, irritante nos vermos citados toda hora pelos criacionistas, seja de propsito ou seja por estupidez, eu no sei, como tendo admitido que o registro fssil no inclui formas de transio. Formas de transio so geralmente raras no nvel de espcie, mas eles so abundantes entre os grupos maiores. No entanto, um panfleto intitulado "Os cientistas de Harvard concordam que a Evoluo uma farsa", afirma: "Os fatos do equilbrio pontuado, que Gould e Eldredge esto forando os darwinistas a engolir, ajustam-se imagem a qual Bryan insistiu, e que Deus nos revelou na Bblia."

            Continuando a distoro, vrios criacionistas tm equiparado a teoria do equilbrio pontuado com uma caricatura das crenas de Richard Goldschmidt, um grande geneticista da velha guarda. Goldschmidt argumentou, em um famoso livro publicado em 1940, que novos grupos podem surgir de uma s vez atravs de mutaes principais. Ele se referiu a essas criaturas subitamente transformadas como "monstros promissores"[2]. (Eu sou atrado por alguns aspectos da verso no-caricaturada, mas a teoria de Goldschmidt ainda no tem nada a ver com equilbrio pontuado - ver ensaios na seo 3 e meu ensaio explcito sobre Goldschmidt no livro "O polegar do Panda"). O criacionista Luther Sunderland fala da "teoria do equilbrio e dos monstros promissores" e diz aos seus leitores que" isso equivale a admisso tcita de que anti-evolucionistas esto corretos ao afirmar no h nenhuma evidncia fssil apoiando a teoria de que toda vida ligada por ancestrais em comum". Duane Gish escreveu: "De acordo com Goldschmidt, e agora, aparentemente, de acordo com Gould, um rptil ps um ovo a partir do qual o primeiro pssaro, com penas e tudo mais, foi produzido" Qualquer evolucionista que acredita em tal absurdo iria cair fora do palco intelectual em meio a gargalhadas, a nica teoria na qual se poderia imaginar tal cenrio para a origem das aves o criacionismo com Deus agindo nos ovos.

            Estou ao mesmo tempo com raiva e me divertindo com os criacionistas, mas, na maior parte do tempo, estou profundamente triste. Triste, por muitas razes. Triste porque muitas pessoas que respondem aos apelos criacionistas esto perturbadas pela razo certa, mas extravasando sua ira no alvo errado. verdade que os cientistas tm sido muitas vezes dogmticos e elitistas. verdade que temos muitas vezes permitido que pessoas vestidas com avental branco como imagem publicitria, nos representam dizendo "Os cientistas dizem que a Marca X cura joanetes dez vezes mais rpido do que Y". Ns no lutamos adequadamente porque obtemos benefcios aparecendo como pertencentes a um novo sacerdcio. Tambm verdade que o poder estatal sem rosto e burocrtico se intromete cada vez mais em nossas vidas e remove escolhas que deveriam pertencer a indivduos e comunidades. Posso entender que os currculos escolares, impostos de cima e sem participao local, podem ser vistos como mais um insulto por todos esses motivos. Mas o culpado no , e no pode ser, evoluo ou qualquer outro fato do mundo natural. Devemos identificar e combater os nossos inimigos por todos os meios legtimos, mas no estamos entre eles.

            Estou triste porque o resultado prtico desse bafaf no ser uma cobertura expandida para incluir o criacionismo (o que tambm me deixaria triste), mas a reduo ou extirpao do ensino da evoluo dos currculos do ensino mdio. A evoluo uma das cerca de meia dzia de "grandes idias", desenvolvidas pela cincia. Ela trata das questes profundas da genealogia que fascinam todos ns, o fenmeno das "razes" em larga escala. De onde viemos? Onde que a vida surgiu? Como se desenvolveu? Como os organismos so relacionados? Ela nos obriga a pensar, ponderar, e admirar. Devemos privar milhes de pessoas desse conhecimento e, mais uma vez ensinar biologia como um conjunto de fatos desconexos e sem graa, sem o fio que tece diversos materiais em uma unidade flexvel?

            Mas, acima de tudo, estou triste com uma tendncia que eu estou apenas comeando a discernir entre os meus colegas. Sinto que alguns agora querem silenciar o debate saudvel sobre a teoria que trouxe vida nova para a biologia evolutiva. Ele fornece combustvel para usinas de criacionistas, dizem eles, ainda que por distoro. Talvez devssemos ficar quietos e nos unirmos em torno da bandeira do darwinismo estrito, pelo menos para esse momento - a velha religio de nossa parte.

            Mas devemos propor outra metfora e reconhecer que ns tambm temos de trilhar um caminho reto e estreito, cercado de estradas para a perdio. Se comearmos a reprimir nossa busca da compreenso da natureza, para saciar a nossa prpria excitao intelectual de uma tentativa equivocada de apresentar uma frente unida que no existe e no deveria existir, ento estaremos realmente perdidos.

 

Traduo: Sergio Russo Matioli



[1] Tambm conhecido como "Monkey trial", o "julgamento do macaco", tema da pea teatral "Inherit the wind" (O vento ser tua herana) de 1955, transposta para o cinema em 1960 e refilmado em 1999. Nesse julgamento, um professor de Biologia , John Scopes, foi acusado de infringir uma lei estadual ao ensinar evoluo em um colgio da cidade Dayton no Tenessee (EUA).

[2] "Hopeful monsters" em ingls.